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NOTICIAS DO SIMPÓSIO
SOBRE SÍNDROME DE USHER NA ALEMANHA
19 a 21 Julho 2018
Por Maria Antonieta Leopoldi - Retina Rio/Retina Brasil
Passei três dias entre cientistas e pessoas com Síndrome de Usher no Simpósio sobre esta doença, ocorrido em Mainz na Alemanha em julho de 2018. Foi um enorme aprendizado existencial e cientifico. O Simpósio teve dois dias de palestras de cientistas falando de suas pesquisas e um dia de palestras para pacientes com Síndrome de Usher e seus familiares. Foi organizado pela equipe de cientistas da Universidade Johannes Gutenberg em Mainz, tendo à frente Uwe Wolfrun e sua equipe do laboratório da Universidade. Contou com a colaboração de cientistas do Boston Children's Hospital e do Forum for Usher Syndrom da Austria.
Primeiro gostaria de passar aqui algumas impressões pessoais sobre como as pessoas com Síndrome de Usher e seus familiares estão ativas nos países do Norte, formando organizações e estimulando o trabalho dos cientistas. Devido ao avanço da genotipagem, muitas pessoas já conhecem a sua mutação genética e se agrupam em comunidades de pacientes até por grupos genéticos (Iniciativa Usher III na Finlandia e Estados Unidos, Usher 1F Collaborative nos Estados Unidos e Usher SyndromeCoalition). Além dos Estados Unidos, já existem associações de pacientes na Grã Bretanha, Alemanha, Áustria e Itália – mencionadas no Simpósio de Mainz.
Havia muitas pessoas no simpósio com implante coclear. Crianças que nascem sem audição já recebem implante coclear e são treinadas na fala. Pode-se fazer implante na Europa até perto de 40 anos.
Pude constatar que ainda que muitos estudos sobre SU ainda estejam no estágio de pesquisas básicas, feitas em laboratórios de universidades, usando animais para teste (camundongos, porcos, macacos, peixe zebra), já existem alguns estudos clínicos com pessoas, como nos casos daqueles que têm o gene USH2A ou USH1B. Algumas pesquisas em estágio avançado, já chamaram a atenção de empresas que estão assumindo os custos dos testes clínicos de algumas doenças ligadas à SU em sua fase final.
O que seria a pesquisa básica? As primeiras pesquisas sobre as doenças da retina têm inicio nos laboratórios, que fazem pesquisa básica, trabalhando com células, genes, mutações genéticas, organoides retinianos (tecido não natural que mimetiza uma retina, usado para testes), criação de modelos animais transgênicos). Esse é o campo da engenharia e da biologia molecular.
Em seguida vem a fase da pesquisa clínica, feita em centros de pesquisa, geralmente localizados em grandes hospitais. Ali é feito o diagnostico dos pacientes, através do exame clinico, dos exames de visão, dos testes clínicos e da cirurgia. Sendo uma patologia que envolve múltiplas especialidades, a Sindrome de Usher requer o trabalho de pesquisa interdisciplinar entre geneticistas, oftalmologistas, otorrinos, farmacêuticos, cirurgiões, biólogos, químicos, engenheiros entre outros.
Depois destas impressões iniciais, vou tratar de alguns temas que vi discutidos no Simpósio da Alemanha:
O que é Sindrome de Usher?
Trata-se de uma doença hereditária, que compromete as células da retina, reduzindo progressivamente a visão, assim como as células da cóclea, responsáveis pela audição. Em alguns casos também compromete o equilíbrio, devido à disfunção vestibular. Trata-se de uma doença muito complexa, em que as perdas visuais e auditivas ocorrem em variados momentos, a partir da mutação genética apresentada pela pessoa. Pode-se nascer sem audição devido à Síndrome de Usher ou perder gradualmente a função auditiva ao longo da vida, e em paralelo vai se desenvolvendo progressivamente a degeneração retiniana conhecida como retinose pigmentar.
Mas existem também outras doenças que geram comprometimento da visão e da audição e que não tem origem genética. É o caso de infecções como rubéola, toxoplasmose e sífilis.
Genética da Sindrome de Usher
Os geneticistas afirmam que a síndrome de Usher envolve uma herança autossômica recessiva. Afeta homens e mulheres e o gene com variação é herdado dos dois pais. O paciente com síndrome de Usher possui dois genes recessivos e vai transmitir esses genes para os filhos, que são portadores do gene, podendo ou não desenvolver a doença.
A única maneira de conhecer melhor a síndrome de Usher, uma vez realizado o diagnóstico por um clínico, é se submeter a uma genotipagem para descobrir o gene cuja mutação gerou a síndrome e para conhecer o tipo de síndrome (1, 2 ou 3).
Vários genes afetam simultaneamente a visão e a audição, de modo que o diagnóstico da síndrome de Usher só pode ser fechado com a genotipagem. A genotipagem permite também traçar o prognostico da doença. Ela também possibilita que a pessoa conhecedora de sua mutação, participe de testes clínicos mais avançados, como é o caso dos estudos sobre a síndrome de Usher de tipo 2A e 1B.
Os genes cuja mutação levam à Síndrome de Usher têm um tamanho maior que o de outras doenças da retina. Eles impactam no funcionamento da cóclea, responsável pela audição, e da retina, onde se produz a visão. Para a terapia genética o tamanho dos genes cuja mutação leva à Síndrome de Usher é um desafio. As terapias genéticas inicialmente trabalharam com vetores adenovírus, derivados de vírus, e com tamanho menor.
No Simpósio recomendou-se que a genotipagem da criança detectada com síndrome de Usher seja feita o mais cedo possível.
Tipos de Sindrome de Usher
O Simpósio foi aberto pelo Dr. William Kimberling, de Omaha, Estados Unidos, pioneiro no estudo da síndrome de Usher, que esteve no Rio de Janeiro em 2006, trazido pela Retina Brasil para o Congresso da Retina Internacional que aqui aconteceu. Dr. Kimberling fez uma análise da trajetória das pesquisas da SU desde os primeiros diagnósticos na Europa no sec. 19 até a descoberta do primeiro gene da doença em 1995.
Informou que são três os tipos de Sindrome de Usher que envolvem 11 genes que uma vez sofrendo mutações levam ao aparecimento da doença.
A Sindrome de Usher de tipo 1 contem 6 tipos de genes com mutação genética. A criança com o tipo 1 nasce com surdez profunda e apresenta problemas de equilíbrio. Por volta de 10 anos começam a aparecer sinais de perda visual. É o tipo mais severo de síndrome de Usher.
A Sindrome de Usher 2 abarca 3 tipos de gene com variações. A pessoa afetada apresenta perda auditiva branda ou severa, com inicio mais tardio que a anterior. Não apresenta problemas de equilíbrio e os sinais de retinose pigmentar aparecem por volta da adolescência. O tipo 2A é o mais comum dos tipos de Sindrome de Usher 2. A Usher de tipo 2A, derivada da variação no gene USH2A pode ser sindrômica e não sindrômica. Neste último caso (não sindrômico), a pessoa desenvolve apenas retinose pigmentar e não tem audição afetada.
Juntos os tipos 1 e 2 da doença compreendem quase 90% dos casos de síndrome de Usher.
O tipo 3 da Sindrome de Usher é mais raro e é causado por variações em dois genes. Predomina entre os habitantes da Finlândia, onde representa 40% de todos os casos de SU. A criança com SU do tipo 3 nasce com audição e visão e a perda visual e auditiva vem progressivamente perto da adolescência.
Na Holanda, onde há um centro de pesquisa em doenças da retina, calcula-se que há no mundo, cerca de 400 mil pessoas afetadas por Sindrome de Usher. A incidência da síndrome nos Estados Unidos é de 3 para cada 100 mil pessoas.
A genotipagem vai permitir o fechamento do diagnostico sobre a mutação genética que levou a síndrome de Usher a aparecer, levando também ao conhecimento do prognostico da doença. Sabendo que se tem síndrome de Usher de tipo 1B e 2A, que tem testes clínicos mais avançados, pode permitir que o paciente seja incluído em um grupo de pesquisa visando tratamento e venha a se beneficiar dos testes.
Testes clínicos em andamento para Sindrome de Usher
Foram apresentados no Simpósio de SU muitas pesquisas básicas que acontecem em laboratórios e que envolvem produção de modelos animais transgênicos para serem usados nas primeiras fases dos testes clínicos, que precedem os testes com pessoas. Uma pesquisa de ponta que emerge dos laboratórios é a construção de um tecido que mimetiza a retina natural, e que é construído a partir da cultura de células, que se transformam em células da retina. Este tecido artificial, chamado de organoides retinianos (retinalorganoid em inglês), faz uso de células tronco pluripotentes. As células tronco humanas pluripotentes vão se diferenciar em células fotorreceptoras in vitro. Este tecido artificial está sendo produzido para servir de modelo de retina para pesquisas com o gene USH2A, no laboratório do London College, com o cientista Robin Ali.
Na França estão sendo feitos testes clínicos com a tecnologia chamada de USHstat, que consiste em injeções subretinianas para pacientes com o vetor viral que leva o gene normal USH1B e que envolve a substituição do gene com variação pelo gene normal (correção do gene mudado). Nove pessoas foram testadas com esta tecnologia. O Laboratório Sanofi está envolvido com esta pesquisa naquele país.
Na Itália, está sendo testada em animais uma outra técnica de administrar o vetor de adenovírus associado na retina: dado que os genes da síndrome de Usher são maiores e não cabem num vetor normal, está se buscando uma estratégia de aplicação simultânea (co-delivery) de dois vetores de adenovírus associado, cada um carregando uma das metades de um gene de grande porte. Foram testados modelos animais que apresentavam a doença de stargardt e a síndrome de Usher de tipo 1B. A equipe do Dr. Alberto Auricchio de Nápoles agora se prepara para um teste clinico usando a estratégia de aplicação dos dois vetores AAV na retina de pacientes com Usher 1B.
Ainda no campo da terapia genética existem estudos para o uso de vetores não derivados de vírus. Os vetores artificiais, chamados de S/MAR VECTORS estão sendo desenvolvidos para o uso em testes com genes da síndrome de Usher na Grã-Bretanha, representando uma alternativa para os vetores tradicionais que vêm sendo usados nos testes de terapia genética. Esses vetores têm capacidade maior para abrigar genes de grande porte e não são derivados de vírus.
Por fim, as pesquisas de fronteira envolvem a edição de genes usando o sistema de CRISPR para o gene USH2A. Estas pesquisas ainda estão em fase de laboratório (in vitro). Pesquisadores de Valencia, Espanha estão envolvidos neste estudo, relatado no Simpósio.
A Optogenética compreende uma nova tecnologia que busca fazer com que outras células da retina que não os fotorreceptores, ganhem a capacidade de produzir a visão. Essa abordagem busca tornar as células ganglionárias sensíveis à luz, para que possam substituir, de forma compensatória, a função antes exercida pelas células fotorreceptoras da retina, que foram perdidas com a retinose pigmentar.
Haveria ainda a relatar outras pesquisas de caráter extremamente técnico, que foram apresentadas, mas podemos ir finalizando por aqui resumindo as principais abordagens apresentadas no simpósio:
Terapia genética, terapia com células tronco, edição genética usando CRISPr, optogenética, neuroproteção, terapia farmacêutica.
Embora haja um predomínio de pesquisas básicas, feitas nos laboratórios, observamos que algumas já chegam aos estudos clínicos com pacientes e atingem a fase III, que é próxima da aprovação pelas autoridades de saúde.
Do que se conclui que a síndrome de Usher pode deixar de ser uma doença órfã dentro de alguns anos e que o tratamento pode surgir a qualquer momento.
03/10/2018
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